Imagem: Evandro Chagas |
Você já deve ter se
perguntado por que alguns trabalhos de pesquisa referentes as doenças tropicais,
como a febre amarela e dengue, tem como referência nacional e internacional os laboratórios
de pesquisa do Instituto Evandro Chagas localizado em Ananindeua (BR- 316)? Para
encontrar está resposta, faz-se necessário conhecer a saga de Carlos e Evandro
Chagas que no século XX tentaram com seus esforços sanear os sertões da
Amazônia.
Imagem: Carlos Chagas |
Em 1905, nasceu Evandro
Serafim Lobo Chagas, filho do cientista Carlos Ribeiro Justiniano Chagas.
Carlos Chagas ganhou notoriedade nacional e internacional em 1909 ao descobrir
a tripanossomíase americana, doença que ganhou o seu nome – doença de Chagas.
Antes da descoberta da doença, Carlos Chagas recebeu o desafiado confiado por
Oswaldo Cruz de sanear os caminhos da Estrada de Ferro da Central do Brasil
(EFCB) (BARRETO, 2013; SOARES, 2010).
Em 1908, os caminhos da EFCB
já haviam chegado a Belo Horizonte (MG), em seu plano mais ousado, a partir do
Rio de Janeiro, pretendia-se chegar até a cidade de Belém do Pará, na Amazônia. No entanto, por diversos fatores o projeto da estrada de ferro não
passou do Estado de Minas Gerais, ficando o destino
encaminhar o trabalho dos Chagas até a Amazônia (SOARES, 2010).
Em 1910, Chagas seria nomeado
membro titular da Academia Nacional de Medicina. Em 1911, a doença de Chagas
foi apresentada com destaque durante a Exposição Internacional de Higiene e
Demografia, em Desdren, na Alemanha. Em 1912, recebeu o Prêmio Schaudinn do
Instituto de Doenças Tropicais de Hamburgo pelo melhor trabalho na área da protozoologia.
Em 1913 e 1921, Carlos Chagas foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina
(BARRETO, 2013; SOARES, 2010).
Após o relatório de viagem aos
‘sertões’ do país (1912) por Belisário Penna e Arthur Neiva do Instituto Oswaldo
Cruz (IOC), sobre a ocorrência de endemias entre a população rural, Carlos
Chagas passa a liderar o movimento pelo saneamento dos sertões, visando prover
de serviços de saúde as populações das áreas rurais (BARRETO, 2013).
Em 1912,
Carlos Chagas deixou o Rio de Janeiro e lançou-se numa viagem pelos rios da
Amazônia, com o propósito de investigar as condições médico-sanitárias do Vale
do Amazonas. Os relatórios e notas sobre esta aventura na Amazônia, incentivou a
trajetória profissional de Evandro Chagas, que ingressou na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro aos 15 anos de idade (1921). Por dominar o inglês e
o alemão, foi interprete de seu pai nos Estados Unidos e na Alemanha durante as
conferências e comunicações das pesquisas e estudos (PARAENSE, 2007; SOARES,
2010).
Aos 21 anos
formou-se em medicina (1926), e realizou o curso de especialização em
microbiologia do Instituto de Manguinhos. Além de médico, tornou-se pesquisador,
assistente efetivo do professor Carlos Chagas, na Cadeira de Clínica de Doenças
Tropicais e Infectuosas (Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro),
além da livre docência de Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas (Escola de
Medicina e Cirurgia do Instituto Hahnemanniano do Rio de Janeiro), e diretor do
Hospital Oswaldo Cruz do IOC (BARRETO,
2013; PARAENSE, 2007; SOARES, 2010).
Em 1934, a
publicação cientifica de Henrique Pena, da Fundação Rockfeller do Rio de
Janeiro, sobre os 41 tipos de casos de leishmaniose visceral (kala-azar
neotropical ou calazar) procedentes de diversas localidades do interior da
região Norte (3 casos no Pará em Moju e Abaetetuba) e Nordeste País (predomínio
do Estado do Ceará), motivou Carlos Chagas, diretor do IOC na época, a designar
Evandro para estudar a epidemiologia e a sintomatologia da doença. No mesmo
ano, Carlos Chagas morre subitamente (PARAENSE, 2007; SILVEIRA et al., 2016; SOARES,
2010).
Em 1935, após profundas
desilusões acadêmicas, o fascínio pelo trabalho de campo e o estudo da
parasitologia e das doenças infecciosas, o motivaram abandonar a docência e priorizar
o oficio de sanitarista e cientista, com a missão de planejar o saneamento da
Região Norte do Brasil. Dando inicio a segunda fase da sua carreira
profissional iniciada no Instituto Manguinhos no Rio de Janeiro (SOARES,
2010).
Em 1936 foi
criada, no IOC, a Comissão de Estudos da Leishmaniose Visceral Americana. Sobre
a direção de Evandro Chagas, este buscou apoio em diferentes Estados do Norte (Pará
e Maranhão) e Nordeste (Piauí, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia). Durante
as viagens, Evandro tentava obter apoio de instituições e governos locais para
a montagem de uma base de operações. O Estado ideal para sua instalação era o
Ceará, que na época liderava os casos de calazar no Brasil (PARAENSE, 2007; SOARES,
2010).
Os aviões da
Panair do Brasil e da Força Aérea do Exército foram os colaboradores dos para a realização das viagens de trabalho da comissão. Os voos para os Estados Unidos tinham como linha
doméstica a rota pelo litoral, passando por Recife (PE), Camocim (CE) e Belém
(PA), com voos sempre no período diurno (PARAENSE, 2007).
Imagem: Panair do Brasil. Fairchild 91. Belém/PA, década de 30/40. Fonte: http://panairbr.blogspot.com |
Em Belém, os
passageiros hospedavam-se no Grande Hotel, durante as noites Evandro Chagas
costumava conversar, nas mesas do bar na calçada do hotel, com Eládio Lima do
Museu Paraense Emílio Goeldi, que o apresentou o seu irmão, que possuia contato
com o alto escalão do governo do Estado do Pará. Este levou a ideia de criar uma base
de operações para o trabalho da comissão de Evandro Chagas. A Assembleia
Legislativa propôs a criação de um instituto de pesquisa, com o apoio do governador
do Estado do Pará, José Carneiro da Gama Malcher (PARAENSE, 2007).
Imagem: Grande Hotel. Fonte: http://fragmentosdebelem.tumblr.com |
Em 1936, foi
criado por lei estadual o Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN), em
consonância com os serviços sanitários estaduais e federais, obedecendo
obrigatoriamente à orientação técnica do IOC. O governo adquiriu uma grande
casa de três pavimentos no centro de amplo terreno (Av. Almirante Barroso com a
Trav. Curuzu), pertencente ao antigo Sócio do Curtume Maguari de Ananindeua
(PARAENSE, 2007; SOARES, 2010).
Neste período
foram realizados os primeiros estudos brasileiros sobre a leishmaniose visceral
americana (LVA), além da malária, leishmaniose tegumentar, a bouba, a
filariose, e outras parasitoses de interesse para a saúde humana e animal no
município de Abaetetuba. No mesmo ano, sua publicação na revista Science intitulada de "Visceral Leishmaniasis in Brazil",
contribuíram para consolidar a sua notoriedade nacional e internacional
(PARAENSE, 2007; SOARES, 2010).
Imagem: Evandro Chagas e os pesquisadores do IPEN em Abaetetuba, 1937.
Evandro almejava
a ideia de organizar uma rede de Institutos de Patologia Experimental por todo
o País. Pela sua competência de gestor do IPEN e da superintendência do Serviço
de Estudo das Grandes Endemias (Sege), em 1940, ele recebe a proposta de
iniciar um programa para o controle da malária na Amazônia. Este formulou um
Plano de Saneamento a partir da Ciência Médica Experimental, que tanto havia
convivido. Tendo o apoio do Governo Federal, marcada pela visita de Getúlio
Vargas ao IPEN, na qual o presidente declarou apoio ao projeto de saneamento da
Amazônia (SOARES, 2010).
Imagem: Evandro Chagas e Getúlio Vargas no Ipen em 1940.
Aos 35 anos de
idade, um trágico acidente aéreo na enseada do Botafogo no Rio de Janeiro,
interrompeu os estudos de Evandro Chagas na Amazônia. As 14h30m do dia 8 de
novembro de 1940, numa tarde nublada, o avião comercial Junkers Ju 52 da Vasp,
decolou do Aeroporto Santos Dumont, com 14 passageiros e 4 tripulantes, com
destino ao Aeroporto de Congonhas em São Paulo (BRITO, 2008; SOARES,
2010).
Ilustração: BRITO, 2008. |
Uma
esquadrilha de aviões vindo da Argentina para o encerramento das comemorações
da Asa, preparavam-se para pousar na pista do Fluminense Yacht Club (Atual Iate
Clube do Rio de Janeiro). Dentre eles estava o avião modelo Havilland DH 90 Dragonfly, que as
14h35m, ao executar manobras de aproximação para pousar, entrou na rota do
Junkers da Vasp. Atingindo a sua asa direita, que se soltou da fuselagem, provocando
a queda da aeronave na baia de Guanabara, matando os 18 ocupantes. O Dragonfly perdeu o controle e caiu na
orla da praia de Botafogo, mantando o piloto inglês Collin Abbott. A baixa
visibilidade e a ausência de uma torre de controle de trafego aéreo foram
apontados como as causas do acidente (BRITO, 2008).
Evandro Chagas
viajaria para São Paulo para ver Tatiana, filha do primeiro casamento.
Depois viajaria para o Ceará, em seguida para Belém para dar continuidade aos
trabalhos de pesquisa. Em sua trajetória profissional, este sempre repetia que
seus estudos eram o prolongamento da saga iniciada por seu pai Carlos Chagas.
Caso tivesse sobrevivido, suas novas descobertas seriam uma grande contribuição
para o sanitarismo da Amazônia (PARAENSE, 2007; SOARES, 2010).
Após a sua
morte, o Governo do Estado do Pará deu ao IPEN o nome de Instituto Evandro Chagas (IEC),
em 2 de dezembro de 1940, em reconhecimento ao trabalho realizado pelo cientista
na região. O plano de saúde para Amazônia brasileira defendido por ele, foi
descaracterizado, e desativado por falta de recursos e liderança. Somados ao
cenário político do país, a segunda Guerra Mundial ao qual o Brasil era aliado e,
a modificação do papel da Amazônia no cenário nacional e internacional
(1942-1945) (SOARES, 2010).
Imagem: Instituto Evandro Chagas (Belém, Pará) |
Fontes:
SOARES, Manoel do Carmo Pereira.
O doutor Evandro Chagas na Amazônia: entre a epopeia e a tragédia. Rev Pan-Amaz Saúde, 1(1): 13-18, 2010.
PARAENSE, Wladimir Lobato. Evandro Chagas e as grandes endemias. Revista de Patologia Tropical, 2007.
BARRETO, Danielle. Herança familiar e tradição científica: um estudo
sobre a trajetória profissional de Evandro Chagas (1905-1940). XXVII
Simpósio Nacional de História. ANPUH Brasil, Natal, 2013.
SILVEIRA, Fernando Tobias; LIMA, Luciana Vieira do Rego; SANTOS,
Thiago Vasconcelos dos; RAMOS, Patrícia Karla Santos; CAMPOS, Marliane Batista.
Revendo a trajetória da leishmaniose visceral americana na Amazônia, Brasil: de
Evandro Chagas aos dias atuais. Rev Pan-Amaz Saúde, 7, núm esp:15-22, 2016.
Comentários