Seringais de Ananindeua – Laços extemporâneos de uma identidade.


Foto: Museu Parque Seringal (Adrielson Furtado, 2013)
A memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total (CHAUÍ, 2001). A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva (LÊ GOFF, 1990). O patrimônio funciona como um mediador entre o passado e o presente, uma referencial capaz de dar uma sensação de continuidade em relação a um passado.

A identidade de uma nação também pode ser definida pelos seus monumentos. Esses bens constituem um tipo especial de propriedade: a eles se atribui a capacidade de evocar o passado e, desse modo, estabelecer uma ligação entre passado, presente e futuro. A identidade é o sentimento de pertença a uma comunidade imaginada cujos membros não se conhecem, mas partilham referências comuns. Assim, tudo que o homem produziu durante anos é importante porque conta a sua origem e diz quem ele é.

Uma cidade é identificada pelo seu povo que a constrói ao longo dos tempos. Ananindeua já foi identificada como um pequeno povoado ao longo da estrada de ferro de Bragança, cidade dormitório de Belém no século XX. Hoje, Ananindeua é conhecida pelos eventos culturais promovidos pelo poder público. Pelo trecho da BR-316 que mais sofreu urbanização. 2° maior município paraense em termos populacionais.

Durante o seu processo de ocupação territorial, recebeu pessoas vindas de outros lugares, trazendo consigo sua cultura, sua história. Nessa “miscigenação cultural” acabou por ficar em segundo plano a própria história do município e seus aspectos relevantes. Caracterizando assim sua perda da identidade cultural.

A seguir será apresentado, por meio de uma cronologia histórica, o contexto que se desenvolveu seringais de Ananindeua, que resultaram na criação e instalação do Museu Parque Seringal. Permitindo que cada cidadão possa tomar conhecimento da sua importância e seus respectivos valores históricos, culturais e naturais. Fortalecendo os laços de identidade da comunidade com o lugar.

Em 1871, o Pres. da Província do Pará anunciou o 1° lugar da borracha na pauta de exportação. De 1870 a 1910 a “Economia da Borracha” será considerada como o maior surto econômico já verificado na região. Na década de 1870, a Índia Office junto com um jardim botânico da Inglaterra coordenaram uma ação para coleta de sementes, plantio e envio de mudas para uma plantação experimental no sudeste asiático. Em 1876, o inglês Henry Wickham coletou e enviou da região do Tapajós e Madeira 70.000 sementes para Jardim Botânico da Inglaterra. Destas, 7 mil brotaram nos viveiros, sendo transportadas para a Ásia (FILHO; JÚNIOR; NETO, 2000).
Foto: Sementes de seringueira (Adrielson Furtado, 2014)

Em 1883, na construção da Estrada de Ferro de Bragança (EFB), iniciou-se a instalação da oficina dos trens, e uma Vila operária, que deu origem ao povoado de Ananindeua. Em 1884, com a inauguração do 1° trecho da EFB, os moradores do povoado passaram a retirar lenha nas matas próximas para abastecer as Maria Fumaças. Outras áreas em Ananindeua também passaram a fornecer lenha e postes para a rede de iluminação de Belém, como as “Matas do 40 horas”, que depois transformaram-se em grandes áreas de capoeiras.

Em 1913, todo o látex produzido na Amazônia foi superado pela produção Asiática. Na Amazônia não havia razão para investir capital pesado na exploração racional do cultivo da borracha (produção extrativista). O retorno do cultivo de uma seringueira apta para o corte era no mínimo 5 anos. Por esse motivo, as plantações de seringueiras na Amazônia foram bastante reduzidas. Assim, Amazônia perdeu o monopólio da borracha e sua economia entrou colapso (FILHO; JÚNIOR; NETO, 2000).

Em 1916, os sócios Saunders e Arthur Davids adquirem a propriedade do curtume Maguary, que pertencia ao português Mário Almeida. O Curtume progrediu ao longo dos anos, sua Vila Operária ficou conhecida como Vila Padrão na época. Os lucros obtidos com a atividade, permitiu que os proprietários do Curtume comprasse as propriedades vizinhas. Assim a propriedade do Curtume Maguary abrangia as terras dos atuais Conj. Cidade Nova, Guajará e PAAR (LEÃO, 1999).

O acesso ao Curtume dava-se inicialmente pelo rio Maguari. Em 1926, o Sr. Saunders mandou construir uma estrada dentro de suas terras, passando pelas Matas do 40 Horas através da estrada da Providência até a EFB. No final da estrada havia uma casa do Curtume, onde morava a Dona Luiza, que tinha a função de verificar as autorizações para passar pelo portão (área próximo ao viaduto do Coqueiro) (LEÃO, 1999).

Em 1929, o Pará recebeu as primeiras famílias de imigrantes japoneses, visando solucionar o problema de despovoamento e produção agrícola. Com a 2° Guerra M. (1939-1945), houve a expansão militar japonesa sobre o território asiático. Em 1942, os japoneses já controlavam 95% da produção mundial de borracha. Amazônia tornou-se alternativa de abastecimento de látex. Em 1942, o Governo brasileiro e os EUA assinaram os Acordos de Washington, que visavam o fornecimento de borracha. Permitindo o erguimento da economia gomífera na região (FILHO; JÚNIOR; NETO, 2000).

Nesse período, os japonese iniciam nas Matas do 40 Horas as primeiras plantações de seringueiras. Na década de 1940, a população belenense passa a estabelecer-se em nos novos bairros ao longo da EFB até adentrarem ao atual território de Ananindeua. Em 1944, Ananindeua torna-se Município.

Com o fim da 2° Guerra M. em 1946, os japoneses foram expulsos da Ásia, normatizado o mercado de látex. Os EUA não renovaram os compromissos do Acordo de W., deixando de importar o látex brasileiro (FILHO; JÚNIOR; NETO, 2000).

Na década de 1950, no Coqueiro já haviam moradias rurais dedicadas às atividades de subsistência. Em 1952, várias famílias de imigrantes japoneses chegaram e se estabeleceram no Pará, buscando melhores condições vida e, fugindo da crise no Japão provocado após a II Guerra Mundial.

Na década de 1960, as propriedades rurais começaram a ganhar definições com a organização do espaço. Motivados pela instalação dos clubes recreativos, retiros, sítios (frutíferas), granjas, hortas, plantações de cacau, cupuaçu em consórcio com seringueiras. Esse uso rural-produtivo era realizado por famílias descendentes de japoneses e nordestinos.

Os nordestinos chegaram ao Pará nos seguintes momentos: a) 1877 a 1889 – 20.000 imigrantes nordestinos chegaram em Belém fugidos da seca; b) Em 1943, a falta de mão-de-obra para trabalharem nos seringais levou ao recrutamento dos nordestinos (Soldados da Borracha); c) Em 1962, com a recuperação econômica do Japão, chegaram os últimos japonês no Pará. Nesse período, algumas plantações, hortas e seringais começam a ser abandonados por seus proprietários, sendo coletados por comunidades próximas (FILHO; JÚNIOR; NETO, 2000).

Na década de 1970, a COHAB-PA planejou o conjunto Cidade Nova. Dentro de uma política social de Governo, sob o discurso da habitação para a população de baixa renda. A COHAB-PA inicia o processo de compra dos primeiros terrenos para a implantação do conjunto. Alguns japoneses venderam parte de seus terrenos, para continuar morando local. Alguns desses terrenos foram invadidos por volta de 1985 perdendo seus seringais (invasão do Tóquio).

Os últimos seringais encontram-se no Complexo Esportivo do VIII, Condomínio Firenze. Aos poucos o espaço rural–produtivo foi transformando-se em urbano-habitacional. No planejamento da COHAB, não foram urbanizados alguns seringais, que foram ao longo dos anos preservados pela população.

Em abril de 2012, o seringal na Cidade Nova VIII foi transformado em Museu Parque Seringal. Passando a ser o segundo parque ambiental de Ananindeua e, a primeira Unidade de Conservação Municipal do Pará. Fazendo parte do Cadastro Nacional de Museus pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) do Ministério da Cultura. Bem como, do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) do Ministério do Meio Ambiente.

Entender o passado não é tarefa fácil, principalmente quando as informações perderam-se no momento que as pessoas deixaram de narrar. O tempo apaga alguns vestígios, ou substituiu por outros. Manter a memória viva é como montar um quebra-cabeça. Conectando o passado ao presente utilizando as coleções existentes. Ajudando a manter nossos laços de pertencimento ao lugar, reforçando nossa identidade. Unindo-nos na busca da preservação do que é Nosso.

Nossa Herança. Nosso Patrimônio. Nosso Seringal.


Texto da palestra intitulada de “A importância da identidade patrimonial para a comunidade”, proferida no Parque Museu Seringal (Ananindeua), durante a realização da 12º Semana Nacional de Museus (17 de maio de 2014).

Referências:

CHAUÍ, Marilene. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2001.

FILHO, Armando Alves; JÚNIOR, José Alves; NETO, José Maria. Pontos de História da Amazônia,
volume II. 2 ed. Belém: Paka-Tatu, 2000.

LE GOFF, Jacques. História e memóriaCampinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. 


LEÃO, Roberto Queiroz de. Maguary: vôo ao seu passado. Ananindeua, 1999.

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